domingo, agosto 10, 2008


Polaroyd de uma queda

Fechou-se no fétido e obscuro quarto enquanto relutava não traçar prognósticos para a conseqüência: sem qualquer álibi aquela existência perdurava cada segundo que se arrastava perplexo diante aquele ser. O semblante angustiado em nada concorria para os traços da mesma manhã, a aurora fora aquecida e digna. Menos de vinte e quatro horas e tudo tornava-se tão hostil, era irritante toda relação dual; a solidão o incomodava tanto quanto o senso de solidariedade coletiva, impacientava-o pensar nas salutares trepadas bem como no fogo disparado por toda jornada.
E ali estava estagnado o homem que prendia a si mesmo em cárcere privado,algoz de seus sentimentos, refém de seus sórdidos instintos. Refugou ao contemplar o telefone que tocava, a campainha que invadia aquilo que fora um lar um dia, ao moço do telejornal que o saudava com um gélido "boa noite". Ouvir essa sentença era inevitável o reflexo mental não conduzir a mesma frieza de sua companheira na noite anterior. Os passos arrastados que acompanhavam- na subseqüente ao calor o tornou alguém mais rude e doentio decerto, porém, longe de ser causa daquele fatídico dia. Seus discos não correspondiam mais a nada naquele contexto, embora a intensidade de alguns ainda se debatiam no inconsciente daquele pobre diabo.
Ele só teria uma oportunidade e não podia hesitar. Tomou consigo os medicamentos, os dois blocos retangulares paralelepípedos, o pequeno barco desgastado pela maresia e chegou ao meio do mar às 3:23 da madrugada, testemunhado por meia dúzia de estrelas que se esvaiam. Quando a sonolência engessou todos os seus átomos, tomou último ímpeto e atirou-se no mar, levando as duas pedras amarradas em seus pés, algumas moedas e uma foto 3X4 (salvo engano).
E sabe-se que o espírito debateu-se muito mais naquela gaiola do que propriamente o corpo no mar. Contudo nunca mensurei o quanto de nós não ficou imerso junto àquele retrato do flagelo humano.