terça-feira, junho 09, 2009

Neon Ballroom : a primeira década do salão de neon cinza do Silverchair



Discorrer sobre a famigerada sensação legendada pela frase “parece que foi ontem...” pode parecer mera divagação tola, ainda mais quando se trata de um fato razoavelmente recente – aqui o lançamento do disco “Neon Ballroom” do trio australiano Silverchair – porém, tal sensação parece permear todo um levantamento de fatos transcorridos ou abortados dentro desse período, e desta forma, mais que se prender a um saudosismo óbvio, cabe refletir o quanto desses fatos afetam de alguma forma tua realidade presente, bem como o peso desse álbum após dez anos do seu lançamento.

Pois bem, antes de comentar o álbum especificamente, vou abrir um parêntese meramente pessoal e logo lançar-me ao ano de 1999, quando num final de tarde qualquer do então guri de 12 anos, reclamava do som que vinha da TV com minha irmã: - “Putz, de novo essa música chata!” e ela consentia, pois tocava novamente na MTV um refrão entediante “We’ll make up to you in the year 2000”. Passou algum tempo e novamente aquela banda se apresentava através de um videoclipe, dessa vez uma atmosfera soturna, que apresentava um vocalista esquelético numa cadeira de rodas, uma modela linda porém lúgubre lavando as mãos de corte e uma música incrivelmente lenta e pesada, soturna como a tal atmosfera, lúgubre e bela como a tal modelo: era Ana’s Song. Ali se dava não só a identificação com uma banda, mas sobretudo, a estética do rock se faria posteriormente minha bússola cultural, referencial intermediador das relações psico-sociais e comportamentais, claro, de forma tácita. Embora tivesse crescido escutando Beatles, nunca havia até então associado a música como estética e todas essas subrelações subseqüentes a isso. Ainda viria “Miss you Love” e “Emotion Sickness”, e concomitante a elas mais um jovem acompanhava atentamente a todas as informações que todo aquele compêndio audiovisual ofertava. Minha primeira fitinha k7 do álbum só viria um ano depois, tamanha era a dificuldade na época de se obter algum material que não fosse axé e adjacentes, e não sairia mais do meu walkman. Dois fatos podem ilustrar bem essa fase “Neon”: o primeiro trata-se talvez de uma das minhas primeiras grandes frustrações quando em pleno Rio de Janeiro, no dia do show do Chair em 2001 no rock in rio3, não pude ir por falta de compania, grana e idade suficiente. Restou a TV. O segundo, um passeio da escola a um parque aquático que durou todo um dia, e no meio da tarde, certamente por uma menina, a alegria de toda manhã dava lugar a um isolamento num ponto mais alto daquele campo a fim de escutar toda minha fitinha do neon, repetindo “Paint pastel princess” até a voz ficar destorcida devido à pilha fraca!

Creio que todos carregam consigo essas situações tão simplistas e tão pessoais que nós engendramos como marcos de algo para algo, mas que essencialmente não represente nada. Fora essas impressões pessoais um tanto quanto ditas superficialmente sobre o álbum detenho-me agora faixa a faixa do Neon Ballroom.

1 – Emotion Sickness

Faixa mais trabalhada do álbum, a qual o próprio autor, o vocalista e guitarrista Daniel Johns preveu que soaria como a mais estranha da banda até então e dessa forma foi vista a principio pelos outros ingrantes, Ben Gilies e Chris Joannou. Os arranjos de violino, violoncelo e piano intercalam as quebras de compasso que a bateria ataca junto a guitarra, que reveza em riffs e dedilhados marcantes. A letra remete às crises depressiva de Daniel, que encerra “Lessons learned”, podendo remeter aqui também como uma renúncia ao que se esperaria de um álbum do Silverchair – a emulação do grunge. Lições aprendidas, passemos a faixa seguinte.

2 – Anthem for the year 2000

A tal música que na época eu tanto achava entediante e que trazia um videoclipe em jovens se rebelavam contra a máquina do sistema transmitida pela televisão tinha uma pretensão clara da banda já pelo título. Nesta faixa, o silverchair procura realmente um hino, um peso grudento como fora com “Freak” e “Tomorrow” em álbuns anteriores. Mas agora tinha espaço para além do Power trio, havia espaço para Backing Vocals de um coral de estudantes australiano e efeitos de um teclado sintonizado com a idéia da música que emulava sirenes e vozes de políticos. Sua letra nunca foi tão atual: “Nunca pensei em viver num mundo de mentes que se acham tão certas / Nunca pensei em viver em um mundo com mentes tão pequenas”.

3- Ana’s Song (Open Fire)

O Power trio em grande sincronia, com participações pontuais do teclado de Paul Mac novamente simulando um órgão. A letra faz de Ana uma analogia a anorexia que deixou Daniel um bom tempo isolado da música e do mundo. Sua composição é basicamente uma balda é verdade, claramente identificada com o uso da estrutura- da vitalidade do refrão e até da distorção da guitarra junto ao peso da batera. Acho que qualquer moleque teve vontade na época de tocar essa música!

4- Spawn Again

Aparentemente segue a linha de Anthem, porém logo percebe-se que trata-se de uma composição mais pesada e raivosa. São os resquícios do Nirvana poderia se dizer, mas o tecladinho aqui e ali mostra que até nos momentos mais simplistas da banda neste álbum, ela evitava de alguma forma reproduzir o que já havia feito anteriormente. A letra fala do extermino de animais para consumo humano, Daniel era vegetariano engajado a denunciar o maus tratos aos animais na época, daí o peso soar tão sincero,principalmente ao vivo nessa música.

5 – Miss you Love

It's not actually a love song at all. It's about not being in love, not finding love and not care about it”. Daniel salienta que não se trata aqui de uma mais uma baba, no caso a primeira na carreira da banda, não se tratava de uma canção de amor, e sim , de algo sobre não se apaixonar, não se interessar, de ceticismo e apatia sobre o amor. Apesar disso, a música foi recebida com muita aversão pelos antigos fans da banda e no Brasil foi responsável pela popularização da banda na época, quando tocou ate em novela. Como Ana’s Song, sua estrutura é predestinada a virar uma baladinha de rádio, o próprio Daniel na gravação do álbum alega que algumas faixas seriam só pra tocar em rádio. Porém essa faixa além da sinceridade em seu discurso reserva nas alegorias de cordas (violinos e celos) e piano mais uma vez sua parte sublime. Vale a pena conferir no vídeo de gravação desta faixa seus arranjos sendo produzidos.

6 . Dearest Helpless

Talvez a música mais fraca de Neon, parece apenas um exercício de tempos sincronizados pela banda, acompanhadas por um teclado pouco inspirado. A inspiração talvez venha só na letra.. “Sexo, drogas e imagem é o bastante
Para te manter viva no mundo real”.

7 – Do you feel the same

Na mesma linha da anterior, um pouco mais fácil aceitação com um refrão mais aberto. Longe de ser marcante, mas boa de tocar sem dúvida devido aos contratempos.

8 – Black Tangled Heart

O lado B do disco ganha finalmente o “brilho” cinza e soturno do álbum com seu baixo “cabeça-de-acorde” todo pontualmente Mi,e bateria junto às cordas clássicas remetando novamente à atmosfera de emotion sickness. “Talvez você se mate
Antes de eu ter uma chance
Talvez eu me apaixone
E nunca aprenda”
. O vocal de Daniel finalmente consegue sobressair, embora haja alguns berros ainda, a vocalização desenvolve para o que iria desaguar no álbum seguinte Diorama. “Pegue a corda para o meu coração e caia
Você deve somente ser o último, antes de você
A ver o coração negro preso cair”.

9 . Point of View

Canção redonda e feliz no que se propõe: guitarra no overdrive, baixo pontuando e a bateria de Ben dando o peso necessário prum rockzão clássico. Destaque pro teclado no último refrão simulando um trombone bem ao fundo.

10 – Satin Sheets

That’s rock roll baby! 3 acordes, melhor estilo grunge, talvez a despedida da banda nesse gênero. Simples, redonda, berros, pancada, bater cabeça, enfim, distração pro trio tirar esse som e pro público dar uns moshes. Só pra não dizer que não era neon ballroom, o teclado aparece só pra encher com algum zumbido ao término.

11 .Paint Pastel Princess.

Os delírios do excesso de medicamentos antidepressivos de Daniel são o objeto da letra. Não procure muito significado para ela. Se detenha a ótima junção do ataque do teclado e os arranjos de cordas respondendo ao peso da batera e riffzão de guitarra. Segue a linha de Black e Emotion.

12 – Steam Will Rise

Se alguém um dia te pedir pra resumir em uma música a expressão “lado b”, conseguirá um bom entendimento ilustrativo apresentando essa faixa. Não haveria desfecho melhor para Neon Ballroom e sua estética apática. Baixo finalmente em destaque, seco, cru e pobre, não mais escondido por uma guitarra cheia ou orquestra e piano. Não. Tudo é simplista no Power trio, o solo da guitarra, o solo de bateria, tudo talvez base para improvisação ao vivo. Vai se esvaindo a canção e o álbum com escuridão de vozes dispersas como ecoando em uma catedral.